De rostinho colado, coração com coração: o novo álbum de Blundetto, Slow Dance
Como um baile organizado em Fortaleza influenciou o novo disco do produtor francês Como um baile organizado em Fortaleza influenciou o novo disco do produtor francês
Arte do novo álbum de Blundetto, “Slow Dance”. Divulgação
por Richard Sanches por Richard Sanches
Numa noite quente de novembro de 2017, em Fortaleza, casais de jovens se abraçavam e colavam o rosto ao do parceiro para mais um baile num clube de Praia de Iracema. A música que saía das caixas de som não era forró, não era baião, não era bolero, mas todas as duplas ali dançavam de olhos fechados num embalo lento e cadenciado, enquanto os poucos que não tinham par conversavam com amigos e bebericavam, sempre balançando no ritmo da música. Aquela era mais uma festa de reggae organizada pelo coletivo Roots and Culture, ou simplesmente RAC, como é conhecido pelos seguidores nas redes sociais.

Dançar reggae agarradinho já virou uma tradição no nordeste, principalmente em São Luís do Maranhão e na capital cearense — o Roots and Culture, por exemplo, já há quatro anos reúne casais que bailam juntinhos, coração com coração, nas festas que ocorrem semanalmente no Reggae Club. O sucesso se reflete nos comentários que os frequentadores fazem nas redes sociais, sempre muito gratos ao projeto. “Deixa só eu dizer que esse baile foi épico, sério mesmo! Teve uma hora que eu tava literalmente dormindo, eu ouvia todas as batidas das músicas, sentia a energia das pessoas. Eu nem sabia mais onde eu tava, parecia que eu tava só… Isso tudo graças ao RAC, que fez uma festa maravilhosa, e às pessoas que fizeram essa festa ficar ainda melhor”, comentou M. J., uma das frequentadoras, sobre um dos bailes.

Sustentando o semitranse dos casais e dos avulsos, a canção “Above the Water”, do produtor francês Blundetto em parceria com o amigo Biga Ranx, lançada no álbum de 2015 World of, foi um dos grandes momentos da noite. A cena dos casais abraçados, se mexendo lentamente ao som dessa música, foi registrada pela câmera de algum celular indiscreto e postada como teaser para a festa seguinte do coletivo: o “Baile dos solteiros + Blackout/Posso nem ver que quero” (como se lê no título do evento no Facebook). Para a surpresa dos organizadores, no dia 20 de novembro o vídeo foi compartilhado pelo próprio Blundetto, que se disse emocionado com a cena.

“O vídeo me tocou porque as pessoas pareciam realmente se comunicar com a música. Algo místico emergia da cena. Fiquei particularmente atraído porque não imaginava que uma música produzida no meu estúdio, em casa, a milhares de quilômetros de distância, pudesse ressoar ali como algo concreto e mágico. Era como se esse público de reggae do nordeste brasileiro tivesse se apropriado da minha música — assim como das de outros artistas — de uma maneira muito especial”, disse ele num e-mail à FIGAS.

Max Guiguet em seu estúdio. Fotografia de Anthoine Fyot.

Blundetto é o pseudônimo de Max Guiguet. Nascido em Dijon, na França, em 1977, ele trabalhou por quase vinte anos na Radio Nova, uma emissora parisiense cuja programação musical — dedicada a clássicos e contemporâneos da música brasileira, caribenha, etíope, norte-americana, europeia, entre outras — é tida por muitos como a melhor entre as rádios francesas. Blundetto, ou Max, foi contratado em 1998 para organizar o arquivo de vinis e CDs da rádio e, pouco a pouco, se tornou o responsável por toda a sua programação musical. “Esse trabalho mágico me forçou a desenvolver um tipo de esquizofrenia musical: a Radio Nova nunca tocou apenas um tipo de som. Para ir ao ar, uma música devia primeiro ser uma boa composição, feita com o coração e capaz de dialogar com a alma. Acredite, eu encontrei até mesmo lindas faixas de country music que tocávamos lá”, afirmou.

Em seus primeiros álbuns, Bad Bad Things (2010) e Warm My Soul (2012), essa pluralidade de referências se transpôs mais claramente em suas próprias composições ou em suas originais releituras, como “Nautilus”, do jazzista Bob James, que ganhou um colorido etíope com o piano de Shawn Lee, ou em “Hercules”, um groove quase esquecido de Aaron Neville que se transformou num eletro lento e sincopado na voz de Hugh Coltman.

O reggae sempre havia sido uma influência para Blundetto, já perceptível no hit “Voices”, do primeiro álbum, e em “Warm My Soul”, que dá título ao segundo. Porém, a partir de World of, o gênero jamaicano foi ganhando mais espaço, principalmente na forma do dub, até que em seu disco recém-lançado, Slow Dance (2018), se fez presente em todas as faixas, do início ao fim. A homônima do disco, inclusive, tem a participação de Jahdan Blakkamore, que também empresta a voz para a bela versão dub de uma canção pouco conhecida de Bob Marley, incluída em World of: “Work”.

Capa do novo álbum. Divulgação.

Para Slow Dance, no entanto, o conceito foi outro, e a inspiração desse conceito, o vídeo dos meninos do Roots and Culture: “Durante o verão de 2017, comecei a reunir músicas para o álbum. Diferentemente dos anteriores, em que também explorei outros gêneros musicais, como o soul e o funk, eu queria que este novo álbum fosse somente de reggae. Eu estava terminando de compor as canções desse disco quando meu amigo Biga Ranx me enviou o vídeo do pessoal do Roots and Culture, de Fortaleza, em que a pista de dança estava repleta de casais movendo-se lentamente ao som de ‘Above the Water’, que eu havia composto com ele para o disco anterior. Gostei tanto dessa abordagem que o conceito do álbum praticamente se impôs naquele momento: ‘Vou fazer um disco de slow dance!’”, resumiu ele.

Ainda assim, ao contrário do que se possa pensar, Max não expressa uma preferência pelo reggae. “Eu simplesmente adoro as emoções que as músicas produzem. Não consigo me prender a um gênero em particular porque as emoções podem se esconder em absolutamente todas as músicas”, disse ele. E, para comprovar essa afirmação, Blundetto nos contou sobre seu novo projeto, uma trilha sonora para um filme que jamais existiu, mas o qual ele gostaria que fosse projetado, através de composições apenas instrumentais, nas mentes de seus ouvintes: uma seleção que evoca o cotidiano de um skatista durante os anos 1990.

Enquanto esse filme não é exibido em nossas mentes, encontre um par para passar bons momentos com Slow Dance (Heavenly Sweetness, 2018):

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