Em agosto de 2009 ia ao ar o primeiro número da revista FIGAS. Ainda no início daquele ano havíamos criado um grupo de estudos sobre pensamento e sociedade brasileiros, e após alguns encontros já parecia normal que aquele grupo formado por pessoas de áreas tão diversas — com bagagens muito diferentes, mas que partilhavam de um sincero interesse por questões sociais e políticas envolvendo o chamado Sul global — se propusesse a botar a mão na massa e produzir conteúdo para uma publicação digital independente que pudéssemos chamar de nossa.
À época, vivíamos a euforia do “Brasil gigante”, do fim do “complexo de vira-latas”, um estado de espírito que derivava da conjunção entre desenvolvimento econômico e inclusão social com a qual o país parecia ter sonhado durante quinhentos anos e que nada nem ninguém poderia deter. Ledo engano, como o demonstrou a própria história. Ainda assim, naqueles anos se firmou certo alicerce que não se destrói com facilidade. E a FIGAS foi, digamos, um tijolinho nessa estrutura que resistiu ao tempo, não em atividade, é verdade, mas em essência, uma vez que as discussões se mantiveram mesmo sem uma publicação fixa — ao menos é assim que queremos enxergar esse retorno.
O que nos inspirou naquele momento, em forma, conteúdo e até no nome, foi um projeto elaborado por Gilberto Gil e Jorge Mautner em 1987, o Figa Brasil. Com o fim do regime militar no país, os músicos publicaram no Jornal da Tarde o manifesto desse movimento, com o título “Um caráter para Macunaíma”, no qual se lia: “Nunca se manipulou tanto a ideia da vida humana, a política, a democracia: o idealismo está sendo submergido. Nossa intenção é reverter essa situação. Queremos criar clubes filosóficos onde as pessoas se reúnam, discutam, analisem”. O projeto deles acabou não se concretizando naquele momento por causa das demandas do mandato de vereador para o qual Gil havia sido eleito, mas essas palavras resistiram ao tempo e ecoaram em nosso grupo de uma forma muito singular. A partir desse texto, pensamos a linha editorial da revista, discutimos pautas possíveis e começamos a produzir os conteúdos: reportagens, crônicas, perfis, relatos, ensaios, vídeos. Gostamos muito do resultado e no ano seguinte organizamos um número especial tendo como tema o “dinheiro”.
Hoje, após tantos avanços e retrocessos experimentados pelo país em tão pouco tempo, acreditamos ser oportuno que se ampliem os espaços de divulgação e debate de ideias, como a FIGAS se propõe ser. Até porque, se o momento histórico é outro, o espírito que nos anima ainda é o mesmo. E, como disseram Mautner e Gil no manifesto, “Figa Brasil é uma convocação para nos comunicarmos de novo. Que venham todos os de boa vontade”. É isso que a revista FIGAS espera proporcionar, algo de que necessitamos de fato nos dias de hoje: um debate aberto e boa sorte.